Читать книгу: «Crimes Esotéricos», страница 5
‒ Ela estava sozinha?
‒ Sim, sozinha.
‒ E ela costuma vir sozinha ou acompanhada?
‒ Depende. Às vezes, vem sozinha, mas muitas vezes está na companhia de uma amiga morena, uma bela mulher com sotaque estrangeiro. Parece que as duas são um casal, aqui na região dizem que elas são sapatonas.
Para pronunciar essas últimas palavras, ele se aproximou de nós, baixando o tom de sua voz.
‒ Lésbicas ‒ eu o corrigi.
‒ Sim, é isso mesmo. Hoje em dia, nas grandes cidades, ninguém mais se incomoda com isso, mas aqui não estamos muito acostumados com certos comportamentos.
‒ Bem, meu caro Luigi, já é suficiente! Agora o inspetor Giampieri e eu gostaríamos de comer alguma coisa. O que você nos propõe?
‒ Bem, como eu lhes disse antes, não há muita escolha a essa hora. Posso recomendar um belo prato de massa trofie da Ligúria ao pesto genovês com feijão verde e batatas, um prato único que certamente os deixará satisfeitos.
‒ Traga-nos duas porções grandes.
Já era quase noite quando chegamos a Imperia e estacionamos em frente ao Distrito de Polícia.
‒ Aqui estamos ‒ disse Mauro. ‒ Você chegou ao seu novo local de trabalho. Ficamos em uma área afastada da cidade, enquanto a Sede da Polícia fica bem no centro, na Piazza del Duomo. Acho que amanhã de manhã, antes de iniciar qualquer atividade, devemos passar por lá. O Delegado Geral se preocupa muito com formalidades e por isso você deve se apresentar a ele!
Mauro me conduziu por um labirinto de corredores e escritórios até chegar àquela que seria minha sala.
‒ Certo, mas antes de ir até a Sede da Polícia, gostaria de conhecer o pessoal em serviço aqui. Você acha que é possível encontrar os homens de manhã cedo?
‒ Vou me certificar de que todos, salvo exceções justificáveis, estejam aqui às oito. Por enquanto, acho que você quer descansar. Lá nos fundos há um quarto com uma cama e o banheiro fica no corredor. Você encontrará sua bagagem e, se precisar de qualquer coisa, saiba que passarei a noite na guarita.
‒ Bem, até que eu encontre uma acomodação melhor, vou me adaptar e depois veremos. Agora estou cansada demais para procurar outro lugar para ficar. Além disso, de qualquer forma, estou acostumada a morar onde trabalho!
Dei uma olhada na minha mesa, onde já havia uma caixa contendo todos os registros das investigações sobre as pessoas desaparecidas em Triora. Eu certamente não queria colocar minhas mãos nisso naquele momento, até porque temia que qualquer coisa que encontrasse ali pudesse mudar as ideias que eu havia formado durante o dia. É melhor primeiro raciocinar instintivamente e não se deixar influenciar pelo trabalho dos outros! De qualquer forma, meus olhos pousaram em um exemplar de uma revista mensal. Peguei, folheei e me detive no artigo sobre os mistérios de Triora, publicado por ocasião do desaparecimento dos três jornalistas que faziam parte da equipe editorial da revista: Stefano Carrega, Giovanna Borelli e Dario Vuoli. Em um quadro, aparecia um trecho retirado das anotações do caderno de Vuoli, encontrado dentro da tenda abandonada dos três.
Qual é o sentido de procurar por bruxas? Acima de tudo, quem são e como podemos reconhecer as bruxas hoje? Não há mais a Inquisição para apontá-las para nós. Talvez elas ainda existam, talvez apenas tenham uma aparência diferente. Em 1587, era mais fácil reconhecê-las: “Vê-las-eis colocando imagens de cera e substâncias aromáticas sob o retábulo. Elas recebem a Comunhão do Senhor não acima, mas debaixo da língua, porque podem facilmente tirar o corpo de Cristo da boca para usá-lo em suas práticas odiosas. Além disso, o que distingue uma bruxa de uma pecadora, ou de uma prostituta, é a capacidade de voar durante a noite…”
Sim, talvez no final do século XVI, as pessoas comuns ainda não soubessem reconhecer os truques e as ilusões desses charlatães e os tomavam por magia ou bruxaria. Mas no século XXI, vamos lá! Esses três jornalistas tinham ido à procura de bruxas no seu território, e talvez as tivessem encontrado! E eles se deixaram sequestrar por elas? Mas vá! Tudo isso foi uma armação, mas com que propósito? Ocultar um crime, querer apagar seus rastros ou por qual outro motivo? E o que tinha a ver com isso a seita, como diabos se chamava? Oamolas ed sovres. O que isso poderia significar?
Com a mente ocupada por essas perguntas, fui me lavar e me retirei para o quarto que Mauro me indicou. Os dias eram longos e, embora fossem quase nove da noite, ainda havia luz lá fora. Deitei-me na cama sem sequer puxar as cobertas. Eu estava cochilando quando ouvi uma batida na porta. Era Mauro, carregando um copo de papel com uma bebida fumegante.
‒ Não é o melhor, é um chá da máquina de venda automática, mas pensei que poderia ser bom antes de dormir. Você quer algo para comer?
‒ Não, obrigado, ainda tenho que digerir o trofie.
‒ Bem, de qualquer forma, tenho novidades para você. Seu cão, Fúria, estará aqui no máximo até amanhã à tarde. Mandei limpar a baia no pátio, onde seu antecessor mantinha o seu pastor alemão. Acho que pode ser um bom arranjo por enquanto.
‒ Obrigada por tudo, Mauro! Mas agora deixe-me descansar. Estou muito cansada e amanhã teremos que enfrentar mais um dia muito intenso! Boa noite.
Procurei em minha mala uma camisola leve, tirei a roupa e fui para a cama. Adormeci e sonhei com bruxas voando em suas vassouras, reunindo-se para invocar Satanás, participando de Sabbaths sob grandes nogueiras. E depois inquisidores as capturavam, torturavam, julgavam e mandavam queimá-las na fogueira. Mas o fogo não conseguia consumir seus corpos e elas riam e zombavam, apesar de suas roupas e cabelos estarem em chamas. E, no final, as bruxas se afastavam do local de tormento, balançando entre elas crianças envoltas em panos.
CAPÍTULO 5
No dia seguinte, levantei bem cedo e comecei a arrumar meu escritório. Por volta das sete e meia, percebi que o Distrito estava começando a ganhar vida. As salas se enchiam, alguém tomava um café na máquina, outros brincavam e trocavam piadas antes de se dedicarem ao trabalho. Era uma atmosfera que me lembrava meus anos de serviço na Sede da Polícia em Ancona. Comecei a andar pelos corredores e cumprimentar a cada um que encontrava. Todos eram muito afáveis e retribuíam minha saudação com um sorriso ou um aperto de mão amigável. Bem, meu novo local de trabalho não era ruim! Reconheci o superintendente com quem havia falado na manhã anterior em Triora.
‒ Bom dia, superintendente…?
‒ D’Aloia, Doutora, meu nome é Walter D’Aloia, às suas ordens!
‒ Bem, D’Aloia, você poderia me arranjar um daqueles quadros brancos e alguns marcadores grandes de várias cores? Preciso fazer um balanço da investigação e desenhar um esquema me ajuda a não perder nada de vista.
‒ Em alguns minutos consigo tudo o que pediu.
‒ Obrigada. Espero todos vocês às oito em ponto para as apresentações necessárias.
Na hora marcada, cerca de vinte pessoas, incluindo quatro mulheres, foram alinhadas à minha frente, enquanto Mauro ficou ao meu lado e as apresentou a mim, listando os nomes, os cargos e as aptidões de cada uma.
‒ Uma excelente equipe! ‒ comentei. ‒ O inspetor Giampieri e eu estaremos bastante ocupados investigando o homicídio de Triora, portanto, no que diz respeito às atividades normais, elas serão coordenadas pelo inspetor Gramaglia, que é o mais graduado entre vocês. Por outro lado, a superintendente Laura Gigli, que é especialista em TI, nos auxiliará. Não creio que o inspetor Giampieri e eu conseguiríamos concluir sozinhos uma investigação que parece tão complexa. Na medida do possível e quando chegar a hora, ainda contarei com a colaboração de todos vocês, portanto, estejam preparados. Agora voltem às suas atividades. Mauro, Laura! Vocês não, permaneçam aqui comigo.
Quando fiquei sozinha com os dois, peguei um marcador e comecei a transformar meu raciocínio em diagramas, que fui escrevendo aos poucos no quadro branco.
‒ Desde ontem temos uma vítima, mas acho que deveríamos partir de vinte anos atrás e tentar entender como e por que algumas pessoas desapareceram em Triora, enquanto outras apareceram. Temos Aurora, de sessenta anos, que, se estivesse viva agora, teria oitenta. Ela partiu para o Nepal com uma garota romena, Larìs Dracu, no final da década de 1980, e todos os vestígios das duas mulheres foram perdidos. Partindo do Aeroporto Internacional de Fiumicino em junho de 1989, não há registros de seu retorno à Itália. Depois de alguns meses, no entanto, apareceu uma garota de vinte anos com o mesmo nome, a Aurora Della Rosa que conhecemos ontem, que se fez passar por suposta neta da bruxa e foi morar na sua casa. A diferença de idade entre as duas poderia nos levar a crer que ela é filha e não neta da velha Aurora, mas alguns no vilarejo chegam a afirmar que a velha e a jovem são a mesma pessoa, porque, na viagem ao Nepal, a bruxa teria encontrado uma maneira de rejuvenescer. A primeira tarefa para você, Laura, é verificar os arquivos de registro de Triora. E chegamos a Larìs Dracu. Desapareceu do nada no Nepal? Retornou à Romênia ou está aqui em Triora? Quem é a morena com sotaque estrangeiro que às vezes acompanha Aurora ao restaurante Da Luigi? Quero uma pesquisa no banco de dados de pessoas desaparecidas, Laura, quero saber tudo o que há para saber sobre Larìs.
Em um canto do grande quadro branco, escrevi em letras maiúsculas “AURORA” e “LARÌS” e fechei os dois nomes em um círculo.
‒ A segunda pessoa desaparecida é Mariella, A Ruiva. Em 1997, ela deixou Abruzzo e veio para Triora, visitou alguns lugares importantes para nossas bruxas, a Fonte das Nozes, a Fonte de Campomavùe, a Rua Atrás da Igreja e o Lago Degnu, entrou na floresta, em uma noite de lua cheia, e desapareceu no ar. Excluindo, a priori, que Satanás a tenha sequestrado, o que aconteceu com ela? Será que ficou escondida por anos na floresta de Triora? Ou foi assassinada e seu corpo escondido em algum lugar? E que relação há com o caminhão incendiado, na mesma noite, por supostos arruaceiros? Se hoje temos uma mulher morta queimada, o mesmo fim pode ter sido reservado, na época, para Mariella, A Ruiva. O assassino, na ocasião, talvez tenha tido tempo e maneira de fazer o cadáver desaparecer! Portanto, outra busca se concentrará nessa Mariella e no caminhão que pegou fogo há doze anos.
Escrevi “MARIELLA” e “CAMINHÃO” em outro canto do quadro e circulei.
‒ No ano 2000, três jornalistas desapareceram no ar, dois homens e uma mulher: Stefano Carrega, Dario Vuoli e Giovanna Borelli. Temos muitos elementos sobre eles e sua história, a julgar pelo conteúdo dessa caixa…
‒ Um momento ‒ Laura me interrompeu. ‒ Sou natural desses lugares, moro em Molini di Triora e conheço bem a história das bruxas que passaram pela Inquisição em 1587. Dois dos sobrenomes que você acabou de mencionar são recorrentes na história das bruxas de Triora. De fato, Stefano Carrega é homônimo do Podestà de Triora na época do julgamento, enquanto Teresa Borelli era uma das cinco bruxas de Ca Botina, as principais sob investigação. Borelli era a bruxa chamada pelos habitantes locais de “Teresa, O Moleque”.
‒ Mais homônimos! Bem, a essa altura, acho que preciso me informar melhor sobre esse julgamento das bruxas. Quem sabe, talvez o hipotético assassino se inspire nessa história!
Escrevi em um terceiro canto do quadro “CARREGA”, “BORELLI” e “VUOLI” dentro de outro círculo.
‒ Há uma versão oficial do julgamento e uma versão transmitida oralmente pelos idosos de Triora, que é bem diferente, mas é muito difícil de interpretar porque é contada apenas no idioma occitano ‒ interveio Laura. ‒ Vou tentar obter as duas versões.
‒ Muito bem, Laura! E chegamos a ontem, o dia em que foi encontrado o cadáver carbonizado de uma mulher, cuja identidade não conhecemos. Teremos que aguardar os resultados da autópsia e as conclusões forenses para começar a pensar sobre isso. Ainda temos poucos elementos.
No último canto do quadro escrevi “VÍTIMA”, circulei também essa última palavra e, depois, no centro do quadro, em letras grandes, incluí o nome da seita, “OAMOLAS ED SOVRES”. Por fim, conectei com setas cada um dos quatro círculos desenhados antes ao nome escrito no centro.
‒ Tudo parece girar em torno desta seita. Precisamos entender o significado desse nome estranho, a quais atividades os adeptos se dedicam e quem está no comando. Em outras palavras, precisamos saber quem é o homem santo, ou guru, dessa seita. Em minha opinião, Aurora Della Rosa está envolvida nisso, e não é pouco. E ela não conta tudo o que sabe, é muito hábil em desviar a conversa e criar álibis confiáveis. Mauro, você acha que o Coruja-de-Igreja pode autorizar uma busca na casa da bruxa?
‒ Ah, você quer dizer o Dr. Leone? Mas, como você o chamou? O Coruja-de-Igreja? Fantástico! Ele é um Magistrado muito exigente e, sem elementos suficientes, nunca autorizará uma busca. Ele é alguém que não gosta de ter problemas.
‒ Bom, então teremos que agir com astúcia, e já tenho algo em mente. E agora vamos ao trabalho. Você, Laura, dedique-se à pesquisa que lhe pedi, e você, Mauro, prepare o carro, vamos voltar a Triora!
‒ Lá se vai minha disciplina militar! ‒ exclamou Mauro. ‒ Lembro-lhe que não iremos a lugar algum antes de passarmos pela Sede da Polícia. Nossas cabeças dependem disso.
‒ Muito bem, vamos torcer para que o Delegado Geral não nos reserve horas na espera. Aguarde por mim lá embaixo no carro, descerei em alguns minutos.
Certamente Mauro pensou que eu iria retocar minha maquiagem, conforme o padrão de vaidade das mulheres, mas não foi o caso. Eu fui me trocar, colocando roupas esportivas confortáveis e tênis. Na verdade, não adiantava voltar para o meio da floresta e caminhar por trilhas nas montanhas e estradas de terra com tailleur e sapatos brilhantes. Depois de cinco minutos, eu estava no carro ao lado de Mauro, que me olhou com espanto.
‒ Você é inacreditável, Caterina! Você quer se apresentar ao Delegado Geral vestida assim?
‒ A roupa não é em função do Delegado Geral, mas da investigação. Você vai ficar me olhando ou vai ligar o maldito carro?
Ele partiu cantando pneus e, graças a costuradas no trânsito, insanos tráfegos na contramão, invasões de faixas preferenciais reservadas a ônibus e táxis, sem nunca ficar abaixo de noventa quilômetros por hora, em quatro minutos e vinte e cinco segundos chegamos à Piazza del Duomo. Com uma inacreditável guinada, obtida com a ajuda do freio de mão, ele escorregou milimetricamente entre outras duas viaturas da Polícia Estadual, em uma das vagas reservadas à Sede da Polícia.
‒ Se não for necessário, peço que evite todas essas cenas! ‒ disse a ele, saindo do carro e tentando me recompor. Minha cabeça girava um pouco, parecia que eu ia cair, mas mantive a calma, apesar de sentir que minhas forças estavam prestes a me abandonar.
Sempre com Mauro como guia, seguimos até a entrada do prédio e pegamos um elevador para o terceiro andar. Depois de caminhar por um longo corredor com piso muito polido, finalmente chegamos ao gabinete do Delegado Geral. O Dr. Perugini nos recebeu imediatamente, e isso me deixou agradavelmente surpresa. Ele era um homem baixo, ligeiramente rechonchudo, com rosto redondo e cabelo bagunçado, quase lembrando o ator americano Denny De Vito. Ele se levantou de sua mesa e apertou minha mão vigorosamente. Em pé diante de mim, notei ainda mais sua baixa estatura. Sua cabeça alcançava mais ou menos a altura do meu ombro, enquanto Mauro, comparado a ele, parecia um gigante. No entanto, ele inspirava simpatia, e mais tarde eu viria a descobrir nele uma inteligência notável e uma excelente capacidade de gestão dos seus funcionários.
Depois de concluir o preâmbulo habitual, ele retornou ao seu lugar atrás da mesa.
‒ Tenho muita confiança em você, Dra. Ruggeri, e sei que não me decepcionará. Colocarei à sua disposição todos os meios que desejar para chegar a uma conclusão dessa investigação. Eu recomendo prioridade máxima. E se você tiver problemas com o Magistrado, não tenha medo de recorrer a mim. Vá agora e me mantenha informado.
De volta ao carro, aconselhei Mauro a dirigir em um ritmo moderado e a parar assim que visse uma loja de ferragens. Tendo identificado o local pretendido, entrei para comprar uma grande tesoura de jardinagem. De fato, minha intenção era chegar a todo custo ao caminhão queimado e vê-lo de perto.
‒ Hoje eu gostaria de examinar minuciosamente a cena do crime, sem pessoas por perto, e depois chegar à carcaça do caminhão de lenha. Será útil dar uma olhada lá dentro, embora, depois de tanto tempo, eu duvide que encontremos algo interessante. Gostaria de visitar também os outros lugares, a outra fonte e o lago, e também voltar à casa de Aurora. Quando estivermos na casa da bruxa, tentarei distraí-la o máximo possível, para que você possa dar uma espiada e, se possível, coletar algumas pistas, não sei, algumas impressões digitais, algum elemento que possa nos ajudar a incriminá-la ou exonerá-la.
‒ Você quer que eu plante algumas escutas?
‒ Não, não neste momento. Para estas interceptações, teríamos que obter a autorização do Magistrado!
Quando chegamos ao local, estacionamos no mesmo lugar do dia anterior e continuamos a pé. Eu queria dar uma boa olhada na grade à qual a vítima havia sido amarrada. As barras foram oxidadas pelas chamas, mas ficou evidente que a partir dali não havia possibilidade de acesso à caverna, que devia ter servido como depósito de lenha. A grade de metal estava fincada no chão e nas paredes de rocha e, dentro da caverna, só se viam detritos incinerados umedecidos pela água utilizada pelos bombeiros.
‒ Nenhum dos nossos tentou entrar aqui! ‒ refleti em voz alta, fazendo Mauro participar do meu raciocínio.
‒ Talvez eles tenham pensado que não havia nada de interessante. Além disso, não há possibilidade de acesso, a não ser serrando essas grossas barras ‒ foi a resposta do meu assistente.
‒ Se isto é uma caverna usada como depósito de lenha, para utilização da residência vizinha, de que adianta não poder entrar lá para pegar lenha? Um primeiro raciocínio poderia sugerir que a caverna não é um fim em si mesma, mas que, de alguma forma, ela se comunica com a casa através de um túnel, por exemplo, uma espécie de passagem secreta. Ou poderia haver outra entrada, talvez escondida entre a vegetação. Você tem uma lanterna, Mauro? Vamos tentar lançar alguma luz lá dentro!
‒ Não é uma lanterna, mas podemos usar a tela do palmtop! Não, não é possível ver o fundo, há muitos detritos.
‒ Droga, mas eu voltarei aqui com o meu cão e tenho certeza de que descobrirei algo interessante. Vamos para o caminhão agora!
Depois de passarmos pela Fonte das Nozes, tomamos a direção que levava à carcaça do veículo e, com a tesoura, começamos a abrir caminho por entre a vegetação. Algumas plantas espinhosas, como amoreiras, rosas silvestres e espinheiros, ainda conseguiram causar arranhões superficiais em meus braços e mãos. De vez em quando, Mauro e eu trocávamos de mãos a pesada ferramenta e, finalmente, depois de uma boa meia hora, chegamos às proximidades do veículo. Era um daqueles pequenos caminhões basculantes usados na década de 1960. No capô, ainda se podia ler a marca, OM, e o modelo, Lupetto, que era identificado por uma inscrição metálica em itálico, fixada obliquamente na parte frontal da carroceria. Tudo o que restou do caminhão foram as partes metálicas oxidadas, em sua maioria cobertas por vegetação trepadeira que se originava do solo abaixo. Tentei abrir a porta do lado do motorista, mas estava trancada. Como o vidro da janela estava completamente ausente, resolvi subir para dar uma olhada no interior. No núcleo metálico do volante, pude notar alguns pedaços de arame.
‒ Dê-me um empurrão, Mauro, quero entrar na cabine.
Senti que estava sendo levantada tão facilmente como um galho e me vi dentro da carcaça. Na verdade, os pedaços de arame presos ao volante poderiam ter sido utilizados na época para imobilizar uma possível vítima dentro do veículo. Notei algo na parte inferior, perto dos pedais, como uma massa de plástico derretido, que tentei desprender com a ajuda de uma pequena faca. Saí da carcaça com as roupas imundas, mas com um troféu nas mãos.
‒ O que é? ‒ perguntou Mauro.
‒ Ainda não sei. Acho que é um material derretido, mas certamente não pertence a um tapete de borracha. Coloque-o em um saco e pediremos à perícia para identificar sua natureza. A ideia de que um crime foi cometido aqui é cada vez mais evidente. A vítima, talvez inconsciente, é amarrada ao volante com arame e, então, o veículo é incendiado. Em seguida, o assassino, ou assassinos, conseguem remover o cadáver e escondê-lo em algum lugar, deixando para trás apenas a carcaça de um velho caminhão devorado pelas chamas.
‒ Portanto, outra execução pelo fogo!
‒ Sim, provavelmente Mariella, A Ruiva, teve uma morte horrível dentro do caminhão, mas quem conduziu a investigação na época foi superficial e não vinculou, ou não quis vincular, o incêndio do caminhão ao desaparecimento da mulher. Vamos voltar à Fonte das Nozes. Quero tentar entender os desenhos ainda visíveis no chão.
Quando chegamos à fonte, matamos a sede e depois tentei interpretar os símbolos desenhados no chão. Pelo que me lembrava das pesquisas que fiz para minha monografia, um pentáculo, desenhado próximo a uma fonte sagrada para os seguidores das seitas, com uma faca ou um instrumento pontiagudo consagrado, sempre indica um local dedicado a um ritual. Dependendo dos desenhos e inscrições utilizados, os ritos podem ser de natureza diversa. Se forem gravados no chão os quatro nomes poderosos pelos quais Deus era chamado na antiguidade, o sacerdote invocará os espíritos e os chamará para pedir ajuda. Às vezes, para agradar aos espíritos e garantir seu favor, pode-se recorrer a sacrifícios, de animais, por exemplo, ou outras vezes, mas mais raramente, de seres humanos. Com o sangue da vítima, escreve-se o pedido aos espíritos invocados, geralmente na forma de metáforas, incompreensíveis para quem não faz parte da seita. No nosso caso, ainda era possível visualizar, no chão, uma das cinco pontas do pentáculo e, ao lado dela, um sinal indicando o símbolo da terra.
‒ O pentagrama é a representação do microcosmo e do macrocosmo. Ou seja, ele combina, em um único símbolo, todo o misticismo da criação, todos os processos em que se baseia o cosmos. As cinco pontas do pentagrama simbolizam os cinco elementos metafísicos: água, ar, fogo, terra e espírito. Há uma abertura entre dois mundos, o mundo dos feiticeiros e o das pessoas comuns. Há um lugar onde os dois mundos se encontram. A abertura está lá, ela abre e fecha como uma porta ao vento ‒ declamei, recitando de memória o que havia lido em um texto de esoterismo.
Mauro me olhou surpreso.
‒ E você acredita nessas coisas?
‒ Claro que não. Isso é o que o xamã, o guru, o homem santo da seita, quer que seus adeptos creiam, para poder tê-los em suas mãos, para poder convencer seus submissos de que, mesmo que se peça um sacrifício, as eventuais vítimas sacrificiais devem simplesmente ficar contentes por ir de encontro à morte.

‒ Então, na sua opinião, foi realizado aqui um ritual no qual foi exigido um sacrifício humano? A vítima foi capturada, levada um pouco mais longe, amarrada à grade e sacrificada com fogo?
‒ Sim, e talvez, sob a influência das drogas que devem ter lhe dado, ela também estava feliz por ser queimada viva.
‒ Em sua opinião, Caterina, poderia Aurora ser a mulher sagrada da seita, a artífice de tudo isso?
‒ Não sei, ainda não temos elementos suficientes. Mas, como a hora do almoço já passou há muito tempo e ainda não comemos nada, vamos tentar fazer com que a bruxa nos convide para almoçar? Ou você prefere voltar para o Luigi?
‒ Eu não gostaria de ser vítima de alguma iguaria envenenada preparada por Aurora para a ocasião. Melhor trofie ao pesto!
No restaurante, perguntei a Luigi qual era a maneira mais fácil de chegar a Lago Degnu.
‒ O Lago Digno é um lugar excepcional, mas é preciso estar bem equipado para chegar até lá. Há duas maneiras. Uma trilha parte de Molini e sobe o Riacho Argentina até o lago. Você vai precisar de botas, pois terá de caminhar por alguns trechos dentro do leito do córrego, onde ele fica encravado em um estreito desfiladeiro. O lago é formado pelo Rio Grugnardo, que deságua no Riacho Argentina com uma queda de quinze metros. Portanto, quando chegar lá, poderá admirar uma esplêndida cascata que cai no lago abaixo. Este, apesar de ser um pequeno corpo d’água, é bastante profundo em alguns pontos. A outra rota é uma trilha que desce de Triora, mas para percorrê-la é necessário estar equipado com cordas, arreios e mosquetões. Há alguns trechos em que a trilha se perde e é preciso descer paredes rochosas. Até a cachoeira, há algumas paredes equipadas com via ferrata, mas é aconselhável não confiar demais e se proteger com uma corda de qualquer maneira. E então, se você quiser descer da cachoeira até o lago, ainda terá que fazer rapel com equipamento de escalada, caso contrário, só verá o lago de cima.
‒ Você o chamou de Lago Digno. Por que é que em Triora o chamam de Lago Degnu? ‒ perguntei a Luigi.
‒ Ah, é a expressão do dialeto. Embora essas terras tenham sido parte do Reino da Sardenha no passado, o fato de as expressões dialetais usarem muito a letra “u” não deriva do sardo. As expressões da Ligúria também são ricas nesta vogal. Por isso, nesta região, o liguriano se mistura ao occitano e quem não é local corre o risco de não entender nada ao nos ouvir falar.
Eu sorri para ele, pensando que até mesmo no dialeto do interior de Marche a mesma vogal era encontrada com frequência. Paguei a conta e saímos.
‒ Bem, eu diria que, neste momento, deveríamos retornar à nossa cara Aurora. Vou tentar distraí-la, fazê-la falar, talvez mantendo a conversa vaga, sem entrar no assunto do crime. Você, discretamente, tente coletar algo útil. Precisamos levar algumas pistas, Mauro, para convencer o Dr. Leone da necessidade de revistar a casa da bruxa de cima a baixo!
Estacionamos o carro ao lado do Porsche Carrera e caminhamos em direção à entrada da casa Della Rosa. Não havia campainha elétrica, apenas uma corda amarrada a um sininho. Não cheguei a tempo de puxar a corda, porque a porta se abriu e a loira Aurora apareceu com roupas minúsculas, uma regata rosa e uma saia jeans muito curta.
‒ Eu senti sua chegada ‒ disse ela. ‒ Entrem, hoje está um dia lindo e claro, e se vocês me seguirem até o terraço, poderão admirar a maravilhosa vista panorâmica do Vale Argentina e das montanhas que marcam a fronteira com a França.
‒ Excelente! ‒ eu disse, dando uma piscadela para Mauro. ‒ Sou uma entusiasta das montanhas e adoro belas paisagens!
Ela nos levou até o terraço, de onde havia de fato uma vista esplêndida.
‒ Posso oferecer-lhes um dos meus chás de ervas relaxantes? Eu realmente acho que vocês precisam!
‒ Aceitamos o chá, desde que não seja relaxante demais ‒ respondi. ‒ Podemos voltar ao salão para saborear a bebida, Sra. Della Rosa?
‒ Claro, acomodem-se. Voltarei em alguns instantes.
Ela desapareceu na cozinha. Não poderia haver oportunidade melhor, mas teríamos que ser rápidos para não sermos surpreendidos. Enquanto eu dava uma olhada nos livros e na porcelana nas estantes, Mauro se ocupava com maçanetas e objetos, como cinzeiros e bibelôs, para tirar algumas impressões digitais. Minha atenção recaiu sobre um antigo vaso de porcelana azul e branca com uma inscrição em letras góticas que dizia “Red Shepenn”. Levantei a tampa e vi que continha algum tipo de tabaco. Peguei uma pitada e coloquei em um saco plástico transparente.
‒ Pode ser droga ‒ sussurrei para Mauro. ‒ Por esse nome, no Oriente, nos tempos antigos, era chamada a papoula do ópio.
Quando Aurora voltou com três xícaras de chá de ervas fumegante com um forte cheiro de menta, tanto Mauro quanto eu observávamos com curiosidade o conteúdo das estantes. O chá de ervas era muito suave e tinha realmente um efeito relaxante. Depois de terminar de beber sua xícara, a bruxa decidiu acender um de seus cigarros. É estranho dizer, mas o aroma da fumaça do cigarro não me incomodou, na verdade, me atraiu.
‒ Você vai ver, Dra. Ruggeri, que um dia desses vai fumar um comigo.
‒ Acho que não, nunca fumei em minha vida e não acho que vou começar aos quase quarenta anos. Em vez disso, gostaria de lhe perguntar sobre o significado do pentáculo desenhado nesse piso fabuloso. Estudei simbolismo e símbolos esotéricos, mas aqui vejo alguns com os quais não estou familiarizada. Reconheço o símbolo do espírito, no centro, e as oito linhas que se originam de um ponto e irradiam em direção aos pontos cardeais, os mesmos indicados pela rosa dos ventos.
‒ Muito bem, Doutora. Sei que você é bem versada no assunto. Veja, ainda deve pairar por ali o espírito de minha ancestral Artemisia, queimada na fogueira em um certo dia de 1589. O poste ao qual ela estava amarrada parece ter sido cravado no chão naquele exato local. Os outros símbolos indicam o que aconteceu do ponto de vista astral naquele dia. Era o equinócio da primavera, 21 de março, noite de lua cheia e, naquela noite, houve um eclipse total da lua.
‒ Sim, começo a interpretar os símbolos. Entretanto, pelo que aprendi, as bruxas de Triora não foram queimadas. Elas foram presas, torturadas, julgadas, condenadas, mas a execução nunca ocorreu, pois o Doge de Gênova se opôs.
‒ E esta é a versão oficial, segundo a qual minha ancestral e suas quatro devotadas seguidoras morreram na prisão em Gênova. Mas talvez não tenha sido bem assim. Você é habilidosa e descobrirá a verdade. Não serei eu quem vai lhe contar.
Ela aproximou o rosto e os olhos do meu rosto e soprou a fumaça na minha face. Baixei o olhar, para não olhá-la diretamente nos olhos, e me vi admirando suas pernas perfeitas, esbeltas, alongadas, sem sombra de celulite. Naquele momento, para minha surpresa, senti um forte desejo sexual por ela. Observei seus lábios se aproximarem dos meus e tive vontade de me unir a ela em um beijo apaixonado. Tentei banir os pensamentos que estavam me perturbando e dei um passo para trás para me afastar dela.
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