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Memorias de José Garibaldi, volume I

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XXXVI
CONDUCTOR DE BOIS

Eis-me pois truppiere, isto é conductor de bois.

Em consequencia n'uma estancia chamada o Casal das Pedras, com a authorisação do ministro da fazenda, consegui reunir em vinte dias e com grande difficuldade novecentos bois, quasi todos selvagens. Maiores dificuldades me esperavam ainda durante o caminho onde encontrei obstaculos quasi invenciveis. O maior de todos foi o Rio-Negro, onde tive quasi perdido todo o meu capital. Da passagem do rio, da minha inexperiencia no meu novo mister, e sobre tudo da rapina de certos capatazes, mercenarios que tinha alugado como conductores, salvei com muito custo quinhentos bois, que visto o mau sustento e o pessimo caminho foram julgados incapazes de chegar ao seu destino.

Resolvi em consequencia matal-os e tirar-lhe as pelles, que vendi, ficando-me livres de toda a despeza uns trezentos escudos que serviram para fazer face ás primeiras necessidades da minha familia.

É aqui que devo mencionar um encontro que me deu um dos meus mais charos e melhores amigos.

Aproximando-me de S. Gabriel, na retirada que acabavamos de fazer, tinha ouvido fallar de um official italiano, dotado de grande valor e intelligencia, que, exilado como carbonario se tinha batido em França no dia 5 de junho de 1832, e depois no Porto durante o cerco que ahi houve por causa da guerra entre os dois irmãos D. Pedro e D. Miguel, vindo depois offerecer-se ao serviço das jovens republicas da America do Sul.

Contavam-se a seu respeito cousas tão extraordinarias que muitas vezes disse:

– Quando encontrar esse homem, ha-de ser meu amigo.

Chamava-se Anzani.

Chegando á America, tinha-se apresentado com uma carta de recommendação a dois dos seus compatriotas MM.*** negociantes em S. Gabriel, que tinham feito d'elle o seu factotum.

Anzani exercia todos os empregos, caixeiro, guarda-livros, homem de confiança, emfim era o bom genio d'esta casa.

Como todos os homens fortes e corajosos, Anzani era socegado e dotado de um excellente genio.

A casa commercial de que elle se tinha tornado director era uma d'essas casas como se acham unicamente na America do Sul, isto é vendendo tudo o que é possivel imaginar.

A villa onde residiam os nossos dois compatriotas era infelizmente proxima da floresta que servia de refugio a essas tribus de indios de que já dissemos algumas palavras no capitulo precedente.

Um dos chefes d'estes indios tinha-se tornado o terror d'esta pequena villa, á qual vinha duas vezes por anno, com a sua tribu, roubando quanto queria sem encontrar a menor resistencia.

Primeiramente veiu acompanhado por duzentos ou trezentos homens, depois com cem, depois com cincoenta, segundo elle tinha visto augmentar o terror estabelecendo o seu poder, e depois sentindo-se o senhor tinha vindo só, e dava as suas ordens que eram obedecidas, como se por detraz de si tivesse a sua tribu prompta a assassinar aquelle que lhe recusasse obedecer.

Anzani tinha ouvido fallar d'este homem e tinha escutado tudo o que se dizia a seu respeito, sem manifestar a sua opinião sobre a audacia d'este chefe selvagem e sobre o terror que inspirava a sua ferocidade.

Este terror era tamanho que quando se ouvia dizer o chefe dos Mattos todas as janellas se fechavam, e todas as portas se trancavam como se na villa andassem alguns cães damnados.

O indio estava habituado a estes signaes de terror, que lisongeavam o seu orgulho, escolhia a porta que queria vêr aberta, batia – abrindo-se logo com a rapidez do relampago – e roubava tudo sem encontrar a menor resistencia.

Havia justamente dois mezes que Anzani dirigia a casa de commercio nos seus maiores como menores detalhes, quando se ouviu o grito terrivel:

– O chefe dos Mattos!

Como o costume, portas e janellas fecharam-se precipitadamente.

Anzani estava só em casa arranjando as contas da semana, e não julgando que o estrondoso annuncio que acabavam de fazer valesse a pena de se incommodar ficou assentado á sua mesa, com as janellas e portas abertas.

O indio parou espantado diante d'essa casa que no meio do terror geral que causava a sua chegada, se conservava indifferente á sua apparição.

Entrou e viu encostado ao balcão um homem que socegadamente fazia as suas contas. Parou diante d'elle de braços cruzados e olhando-o com espanto.

Anzani levantou a cabeça.

Anzani era a politica em pessoa.

– Que quer meu amigo? perguntou elle ao indio.

– Como! que quero?! disse este.

– Sem duvida, disse Anzani, quando se entra n'um armazem é que se quer comprar alguma cousa.

O indio começou a rir.

– Pelo que vejo não me conheces? perguntou ele a Anzani.

– Como queres que te conheça, se é a primeira vez que te vejo!

– Sou o chefe dos Mattos, replicou o indio, mostrando no seu cinto um arsenal composto de quatro pistollas e um punhal.

– Então que queres?

– Beber.

– O que?

– Um copo de agua-ardente.

– Não ha nada mais facil; paga primeiro e depois tens a agua-ardente que quizeres.

O indio começou a rir de novo.

Anzani franziu as sobrancelhas.

– Em logar de me responder, tornas de novo a rir. Não acho isso mui politico. Previno-te, pois, que se isso succede outra vez ponho-te fóra da porta.

Anzani tinha pronunciado estas palavras com tal firmeza, que outro qualquer homem que não fosse o indio teria comprehendido com quem tinha a tratar.

Talvez o selvagem houvesse comprehendido, mas não o deu a conhecer.

– Já te disse que me desses um copo de agua-ardente, repetiu elle batendo com o punho no balcão.

– E eu já te disse que o pagasses primeiro, disse Anzani, quando não, não a bebes.

O indio deitou um olhar colerico a Anzani, mas o olhar d'este encontrou o seu, – o relampago havia encontrado o relampago.

Anzani dizia muitas vezes:

– A unica força que existe é a moral. Olhae fixa e obstinadamente o homem que vos encarar, se elle abaixar os olhos, estaes senhor d'elle, mas se pelo contrario sois vós que os abaixaes estaes perdido.

O olhar de Anzani tinha um irresistivel poder. Foi o indio que foi vencido, e conhecendo a sua inferioridade, e furioso d'este poder desconhecido, quiz ganhar animo bebendo.

– Está bem, disse elle, ahi tens meia piastra, da-me de beber.

– É obrigação minha servir quem me paga, disse tranquilamente Anzani.

E deu ao indio um copo de agua-ardente.

O indio bebeu.

– Outro, disse elle.

Anzani deu-lhe outro copo.

O indio bebeu-o como o primeiro.

– Ainda outro, disse elle.

Em quanto Anzani teve dinheiro suficiente para se pagar da despeza do indio, não lhe fez nenhuma observação, mas quando o bebedor já não tinha dinheiro para pagar, cessou de encher-lhe o copo.

– Então? perguntou o selvagem.

Anzani fez-lhe a sua conta.

– Depois? insistiu o selvagem.

– Depois?.. Como não tem dinheiro, não bebe mais agua-ardente, respondeu Anzani.

O indio tinha formado bem o seu calculo. Os cinco ou seis copos de agua-ardente que havia bebido, tinham-lhe dado a coragem que havia perdido com o olhar de Anzani.

– Agua-ardente, disse elle levando a mão a uma das pistollas, agua-ardente, ou morres.

Anzani que já previa o final d'esta scena, estava preparado. Tinha cinco pés e nove pollegadas, e era dotado de uma força e agilidade pasmosa. Apoiou a mão no balcão e saltando para o outro lado deixou-se cair sobre o indio, agarrando-lhe o punho direito.

O selvagem não poude aguentar o choque e caiu; Anzani não o largou e poz-lhe o pé no peito.

Então agarrando com a mão esquerda a mão direita do indio, tornando-lhe por isso inoffensiva a arma, Anzani tirou-lhe do cinto as pistollas e punhal, que espalhou pelo armazem, e arrancando-lhe a pistolla da mão, quebrou-lhe o cano na cabeça e na cara, e julgando que o selvagem já se achava bem castigado foi empurrando-o aos pontapés até á porta deitando-o no meio de um grande lamaçal.

O indio levantou-se com muita difficuldade e fugiu, mas em tal estado que nunca mais tornou a apparecer em S. Gabriel.

Anzani havia feito debaixo do nome de Ferrari a guerra de Portugal. Com este nome tinha-se conduzido admiravelmente, ganho a patente de capitão e recebido duas graves feridas: uma na testa, outra no peito, e tão graves que no fim de dezeseis annos morreu por causa d'ellas.

A ferida da cabeça era um golpe de sabre que lhe tinha aberto o craneo.

A do peito foi uma balla que lhe tinha ficado no pulmão, e de que mais tarde lhe nasceu uma phtisica pulmonar.

Quando se lhe fallava dos prodigios de coragem que tinha praticado debaixo do nome de Ferrari, sorria-se e dizia que elle e Ferrari eram dois entes differentes.

Infelizmente não podia, ao mesmo tempo que attribuia os seus prodigios de valor a um ente imaginario, trespassar-lhe as duas feridas.

Tal era o homem de quem me haviam fallado, e a quem eu desejava conhecer e ter por amigo.

Em S. Gabriel soube que tinha ido tratar de alguns negocios a sessenta milhas de distancia. Montei então a cavallo para o procurar.

No caminho, na margem de um pequeno rio, encontrei um homem, com o peito nú lavando uma camisa – vi que era este o homem que procurava.

Dirigi-me a elle, estendi-lhe a mão e disse-lhe quem era.

Desde este momento fomos irmãos.

Já não estava na casa de commercio, e como eu havia entrado ao serviço da republica do Rio Grande. Era commandante de infanteria da divisão de João Antonio, um chefe republicano dos mais conhecidos. Como eu deixava o serviço e dirigia-se aos saltos.

Depois de um dia passado juntos, demos os nossos adresses respectivos e combinámos que não emprehenderiamos movimento algum importante sem o participarmos mutuamente.

 

Seja-me permittido narrar um facto que dá bem a conhecer a nossa miseria e a nossa fraternidade.

Achava-me tão pobre como Anzani em camisas, em quanto que elle tinha mais um par de calças.

Dormimos no mesmo quarto, mas Anzani partiu antes de romper o dia e sem se despedir.

Quando accordei encontrei sobre o meu leito o melhor dos seus dois pares de calças.

Conhecia apenas Anzani, mas era um d'esses homens que se apreciam á primeira vista, e tanto que quando entrei ao serviço da republica de Montevideo e fui encarregado de organisar a legião italiana, o meu primeiro cuidado foi escrever-lhe convidando-o a vir acompanhar-me.

Veiu com effeito e desde esse dia não nos deixamos mais, até que elle tocando na terra de Italia morreu entre os meus braços.

XXXVII
PROFESSOR DE MATHEMATICA E CORRETOR DE COMMERCIO

Em Montevideo dirigi-me a casa de um dos meus amigos chamado Napoleão Castellini. Ao seu excellente coração sou devedor de muito, para jámais me esquecer, assim como a G. D. Cunes, – amigo de toda a minha vida, – e aos irmãos Antoninho e Giovanni Risso.

Gastos os poucos escudos que me tinham produzido as minhas pelles de bois, e para não ficar com minha mulher e filho ás sopas dos meus amigos, emprehendi duas industrias que, devo confessal-o, chegavam apenas para satisfazer as minhas necessidades.

A primeira era corretor de fazendas. A segunda era a de professor de mathematica, na casa do estimavel Paulo Semidei.

Este modo de vida durou até á minha entrada na legião oriental.

Os negocios do Rio Grande começavam a estabelecer-se e a arranjar-se, não tendo eu pois nada a esperar d'este lado. A republica oriental – é assim que se chamava a republica de Montevideo – sabendo que me achava livre não tardou em me offerecer uma occupação mais em harmonia com os meus meios e com o meu caracter, do que a de professor de mathematica e corretor.

Offereceram-me e acceitei o commando da corveta —Constituição.

A esquadra oriental achava-se debaixo das ordens do coronel Cosse, e a de Buenos-Ayres ás ordens do general Brown.

MONTEVIDEO

Quando o viajante chega da Europa n'um d'esses navios, que os primeiros habitantes do paiz tomavam por casas volantes, o que vê – logo que o marinheiro de vigia grita: «Terra» são duas montanhas.

Uma que é a cathedral, e a outra ornada de um pharol, que é a montanha do Cerro.

Á medida que o viajante se aproxima das torres da cathedral, de que os ornatos de porcellana brilham ao sol, o viajante vê os mirantes sem numero e de fórmas variadas que ornam todas as casas, depois essas mesmas casas, encarnadas ou brancas, com os seus terraços, depois ao pé do Cerro, as salgadoras, vastos edificios onde se salgam as carnes; e emfim ao fundo da bacia, á borda do mar as encantadoras quintas, delicia e orgulho dos habitantes onde elles vão passar todos os domingos e dias de festa.

Então se deitaes a ancora, entre o Cerro e a cidade, dominada, por qualquer ponto de vista que a olheis, pela sua gigantesca cathedral, se a canôa vos leva para a praia, puchada por seis valentes remadores, se de dia encontraes pelas estradas grupos de encantadoras mulheres vestidas de amazonas, se de tarde atravez as janellas abertas, deitando para a rua torrentes de luz e harmonia, ouvis os sons do piano e de outros instrumentos, é que estaes em Montevideo, a vice-rainha d'esse rio de prata, de que Buenos-Ayres pretende ser a rainha, e que se lança no Occeano por uma embocadura de oitenta leguas.

Foi João Dias o que no principio de 1516 descobriu as praias da Prata. A primeira cousa que o marinheiro de quarto avistou foi o Cerro, e cheio de alegria exclamou em latim:

– Montem video!

Sendo este o nome que ficou á republica, de que vamos rapidamente escrever a historia.

João Dias, já com bastante orgulho de haver no anno passado descoberto o Rio de Janeiro, não gosou por muito tempo da sua gloria.

Tendo deixado na bahia dois dos seus navios, e havendo subido o rio Prata com o terceiro, confiando nos signaes de amizade que lhe fizeram os indios, caiu n'uma emboscada sendo morto, despadaçado e devorado na margem do rio, que em memoria d'este triste acontecimento tem o nome de Solis.

Estes indios anthropóphagos pertenciam á tribu dos Charruas que era senhora do paiz, como na extremidade opposta do grande continente o eram os Hures e os Sioux.

Os hespanhoes foram pois obrigados a edificar Montevideo no meio de combates, que se renovavam todos os dias e todas as noites, contando por isso Montevideo apenas cem annos, apezar de ter sido descoberto em 1516.

Pelo fim do ultimo seculo, appareceu um homem que promoveu aos senhores primitivos da costa uma guerra de exterminação, em que foram aniquilados.

Tres ultimos combates – em que collocaram entre si suas mulheres e filhos, e caíam sem recuar um passo – viram desapparecer os seus ultimos restos, e monumentos d'esta derrota suprema; o viajante póde ainda vêr ao pé da montanha Augua os ossos dos ultimos Charruas.

Este novo Mario era Jorge Pacheco, pae do general Pacheco e Obes de quem, como já dissemos, tivemos todos estes promenores.

Mas os selvagens destruidos deixaram a Pacheco inimigos mais ferozes, mais perigosos, e mais inexterminaveis que os indios, visto que aquelles eram sustentados, não por uma crença religiosa, que todos os dias ia enfraquecendo, mas, pelo contrario, por um interesse material que ia augmentando sensivelmente. Estes inimigos eram os contrabandistas do Brazil.

O systema prohibitivo era a base do commercio hespanhol. Havia pois uma guerra encarniçada entre o exercito e os contrabandistas, que ou pela estrategia ou pela força tentavam introduzir no territorio de Montevideo as suas sedas e tabaco.

A lucta foi longa, encarniçada e mortal. D. Jorge Pacheco dotado de uma força herculea, de um talhe gigantesco, e de uma grande finura, tinha alcançado – pelo menos assim o julgava – não a aniquillar os contrabandistas, como havia feito aos Charruas, mas a affastal-os da cidade, quando repentinamente tornaram a apparecer mais atrevidos, mais activos, e reunidos como nunca em roda de uma vontade unica, tão poderosa, tão corajosa, e tão intelligente como podia ser a do general Pacheco.

Pacheco mandou espiões por toda a parte a informarem-se do motivo d'esta reapparição.

Todos voltaram pronunciando um unico nome:

– Artigas!

Quem era este Artigas?

Um mancebo de vinte a vinte e cinco annos, bravo como um velho hespanhol, esperto como um Charrua, e agil como um gaucho: tinha tres raças senão no sangue ao menos no espirito. Começou então uma lucta admiravel de esperteza e força entre o general e o contrabandista, mas um era moço e todos os dias a sua força augmentava, o outro não era velho, mas estava já cançado.

Durante quatro ou cinco annos Pacheco perseguiu Artigas, batendo-o por toda a parte por onde apparecia; mas Artigas derrotado não era nem morto, nem feito prisioneiro, e no dia seguinte começava de novo a lucta. Pacheco cansou primeiro e como um d'esses romanos da antiga republica, que sacrificavam o seu orgulho ao bem do paiz, disse ao governo que resignava os seus poderes com a condição que Artigas seria nomeado general em seu logar, porque só Artigas podia acabar a destruição dos contrabandistas.

O governo acceitou, e como esses bandidos romanos que se submettem ao poder do papa e passeam venerados na cidade de que foram o terror, Artigas fez a sua entrada triumphal em Montevideo, e começou a obra de destruição para que havia sido chamado.

Estes factos tiveram logar cincoenta e oito ou sessenta annos antes dos acontecimentos em que Garibaldi vae tomar parte, mas como nós somos author dramatico e não podemos deixar de começar um drama por um prologo, vamos dar a conhecer aos leitores, homens e terras que lhe são bem desconhecidos.

Artigas tinha então vinte e sete ou vinte e oito annos, tendo na época em que o general Pacheco me deu estes detalhes noventa e tres annos, vivendo ignorado n'uma pequena quinta pertencente ao presidente do Paraguay. Hoje provavelmente já tem morrido.

Era um mancebo bello e bravo, e que representava um dos tres poderes que reinaram em Montevideo.

Jorge Pacheco era o typo do valor cavalheiresco do velho mundo, que atravessou os mares com Colombo, Pizarro e Fernando Cortez. Artigas era o homem do campo, e podia representar, o que chamavam o partido nacional, collocado entre os portuguezes e hespanhoes, isto é entre os estrangeiros que se tinham tornado portuguezes e hespanhoes, pela sua habitação nas cidades onde tudo fazia lembrar os costumes portuguezes e hespanhoes.

Ainda havia um terceiro typo e mesmo uma terceira potencia que foi o flagello de todos e de que é necessario dizer duas palavras.

Este terceiro typo é o gaucho, a quem Garibaldi chama o centauro do novo mundo.

Na França chamamos gaucho a tudo quanto vive n'estas vastas planicies, mas commettemos um erro: o capitão Head da marinha ingleza, foi o primeiro a pôr em moda esta mania de confundir o gaucho com o habitante do campo, que na sua soberba repelle não só a similhança, mas até a comparação.

O gaucho é o bohemio do novo mundo. Sem terras, sem casa, sem familia, possue por toda a fortuna um casaco, um cavallo, uma faca e o laço.

A faca é a sua arma, o laço a sua industria.

A nomeação de Artigas foi recebida com satisfação por todos, excepto pelos contrabandistas, e ainda se achava occupando este alto cargo quando rebentou a revolução de 1810, revolução que tinha por fim, e que obteve, destruir o dominio hespanhol no novo mundo.

Esta revolução começou em 1810 em Buenos-Ayres e acabou em Bolivia na batalha de Ayacuncho em 1824.

O chefe das forças independentes era então o general Antonio José de Soure, e tinha cinco mil homens ás suas ordens.

O general em chefe das tropas hespanholas era D. José de Laserna, o ultimo vice-rei do Peru, e commandava onze mil homens.

Os patriotas não possuiam senão uma unica peça, eram um contra dois, e achavam-se completamente desprovidos de munições, e de provisões de boca. Não tinham remedio senão esperar, assim o fizeram, e quando foram atacados ficaram vencedores.

Foi o general patriota Aleixo Cordova que começou o combate. Commandava mil e quinhentos homens. Poz a bandeira na ponta da espada e gritou:

– Ávante!

– A marche marche, ou no passo ordinario? perguntou um official.

– No passo da victoria, respondeu elle.

N'essa mesma tarde todo o exercito hespanhol tinha capitulado, e achava-se prisioneiro d'aquelles que o tinham sido seus.

Artigas havia sido um dos primeiros a festejar a revolução. Tinha-se posto á testa do movimento, e por sua vez offereceu a Pacheco o commando, como annos antes elle o havia feito.

Esta troca ia-se talvez operar quando Pacheco foi surprehendido na Casa branca, no Uruguay, por marinheiros hespanhoes, e ficou seu prisioneiro.

Artigas continuou a sua tarefa libertadora. Em pouco tempo expulsou os hespanhoes do campo de que se havia tornado rei, reduzindo-os a serem senhores unicamente de Montevideo, que podia apresentar uma séria resistencia, visto ser a segunda cidade fortificada da America.

A primeira era S. João de Ulloa.

Em Montevideo achavam-se refugiados todos os partidarios dos hespanhoes, protegidos por um exercito de quatro mil homens. Artigas sustentado pela alliança de Buenos-Ayres começou o cerco da cidade, mas um exercito portuguez veiu em auxilio dos hespanhoes e Artigas teve de retirar-se. Em 1812 Montevideo soffreu novo cerco. O general Rondeau commandava as forças de Buenos-Ayres e Artigas as dos patriotas, e foram estes que de novo cercaram a cidade.

O cerco durou vinte e tres mezes, tendo logar no fim d'este tempo uma capitulação que entregou a capital da futura republica oriental aos sitiantes, commandados então pelo general Alvear.

Porque razão era então general em chefe Alvear e não Artigas? Vamos dizel-o.

É que no fim de vinte mezes de cerco, depois de tres annos de contacto entre os homens de Buenos-Ayres e os de Montevideo, as differenças de habitos, de costumes, e direi mesmo de raças, que tinham sido causa de simples desintelligencias, haviam-se tornado em motivos de odios mortaes.

Artigas, como Achilles havia-se retirado desapparecendo pelos campos tão seus conhecidos no tempo da sua mocidade em que exercia o mister de contrabandista.

O general Alvear tinha-o substituido, sendo general em chefe dos Portenos, na occasião em que Montevideo se entregou.

Portenos é o nome que dão aos naturaes de Buenos-Ayres, e Orientaes aos de Montevideo.

 

Tentaremos explicar as differenças que ha entre os Portenos e os Orientaes.

O habitante de Buenos-Ayres fixado no paiz ha trezentos annos na pessoa de seus avós, perdeu desde o fim do primeiro seculo da sua existencia na America, todas as tradicções da mãe patria, isto é da Hespanha. Os habitantes de Buenos-Ayres são hoje tão americanos, como o eram antigamente os indios que d'ali expulsaram.

O habitante de Montevideo, ao contrario, existindo apenas ha um seculo no paiz, – sempre na pessoa de seus avós, bem entendido – não teve o tempo de esquecer que é de raça hespanhola. Tem o sentimento da sua nova nacionalidade, mas sem ter esquecido as tradicções da velha Europa, em quanto que o de Buenos-Ayres, se affasta todos os dias da Europa para entrar na barbaria.

O paiz não deixa de ter sua influencia, sobre este movimento retrogrado de um lado, progressivo do outro.

A população de Buenos-Ayres, espalhada em areaes immensos, com habitações muito affastadas umas das outras, em sitios completamente desprovidos de agua, e de todos os objectos necessarios, e habitando cabanas mal construidas, ganha um caracter sombrio, insociavel e bulhento. As suas tendencias dirigem-se para os indios selvagens das fronteiras, com os quaes elles negoceiam em todos os objectos que trazem dos sitios onde a civilisação ainda não penetrou, e são completamente desconhecidos aos europeus, dos quaes recebem em troca agua-ardente e tabaco que levam para as grandes planicies dos pampas, de que tomaram o nome, ou a quem póde ser deram o seu.

A população de Montevideo, pelo contrario, possue um bello paiz, cortado por muitos rios. Não possue vastos bosques, não tem grandes florestas, como a America do Norte, mas as margens dos seus rios são ornadas de bellas e magestosas arvores. Possue além d'isso bellos edificios, e a terra produz todo o necessario para o seu sustento. As suas casas, quintas e herdades são proximas umas das outras, e o seu caracter franco e hospitaleiro, é inclinado a essa civilisação de que a aproximação do mar lhe conduz continuamente.

Para a população de Buenos-Ayres o typo da perfeição é o indio a cavallo.

Para a de Montevideo é o europeo apertado na sua casaca, na sua gravata e nas botas de polimento.

Os naturaes de Buenos-Ayres tem a pertenção de serem os primeiros da America em elegancia. Teem mais imaginação que os de Montevideo, e os primeiros poetas que a America conheceu, nasceram em Buenos-Ayres. Varela e Lafinur. Domingos e Marmol são poetas portenos.

O habitante de Montevideo é menos poetico, mas mais socegado e mais firme nas suas resoluções e nos seus projectos. Se o seu rival tem a pertenção de ser o primeiro em elegancia, elle tem a de o ser na coragem. Entre os seus poetas figuram de Hidalgo, de Berro, de Figueira, e João Carlos Gomes.

As mulheres de Buenos-Ayres tambem teem a pretenção de serem as mais bellas da America meridional desde Lemairé até ao Amazonas.

Póde ser que na realidade o rosto das mulheres de Montevideo seja menos formoso que o das suas visinhas, mas as suas fórmas são maravilhosas.

Ha pois entre os dois paizes;

Rivalidade de coragem e elegancia, entre os homens;

Rivalidade de belleza e elegancia, entre as mulheres;

Rivalidade de talento entre os poetas, esses hermaphroditas da sociedade, colericos como os homens, caprichosos como as mulheres e simples muitas vezes como as creanças mais innocentes.

Havia pois, como se vê por tudo que acabamos de dizer, motivos sufficientes para as relações serem interrompidas entre Montevideo e Buenos-Ayres, entre Artigas e Alvear.

Não foi unicamente uma separação, que teve logar, mas sim uma guerra.

Todos os elementos de antipathia foram dirigidos contra os homens de Buenos-Ayres pelo antigo chefe de contrabandistas. Pouco lhe importavam então os meios, de que tinha a servir-se, com tanto que alcançasse o seu fim que era expulsar do paiz os Portenos.

Foi então que Artigas reunindo todos os recursos que lhe offerecia o paiz, se poz á testa d'esses bohemios da America que se chamam gauchos.

A guerra que fazia Artigas tinha alguma cousa de santa; assim nada lhe podia resistir, nem o exercito de Buenos-Ayres, nem o partido hespanhol, que sabia perfeitamente que a entrada de Artigas em Montevideo, era a substituição da força brutal á intelligencia.

Os que tinham previsto esta volta á barbaria não se haviam enganado. Pela primeira vez homens vagabundos, por civilisar, e sem organisação, viam-se formando um exercito e com um general. Durante a dictadura de Artigas teve logar um periodo que tem alguma analogia com o nosso de 1793. Montevideo viu o reinado do homem dos pés nús, dos casoncillos fluctuantes, da chiripa escosseza, do puncho despedaçado, e com o chapeu deitado sobre a orelha seguro pelo barlipo.

Então Montevideo foi testemunha de scenas inauditas grotescas, e algumas vezes terriveis. Muitas vezes as primeiras classes da sociedade foram reduzidas á impotencia, Artigas tendo de menos a crueldade e de mais a coragem, tornou-se então o que mais tarde devia ser Rosas.

A dictadura de Artigas teve não obstante muitas cousas de brilhante e nacional. Uma foi a lucta de Montevideo contra Buenos-Ayres, em que Artigas derrotou sempre as forças d'este paiz e de que fez cessar a influencia e a resistencia ao exercito portuguez que invadiu o paiz em 1815.

O pretexto d'esta invasão foi a desordem da administração de Artigas e a necessidade de salvar os povos visinhos de desordens eguaes, que podia fazer nascer entre elles o contagio do exemplo. Estas desordens tinham no mesmo paiz, dobrado a opposição que fazia o partido da civilisação. As classes elevadas sobre tudo desejavam do coração uma victoria que substituisse o dominio portuguez a esse dominio nacional que trazia a brutal tyrannia da força material. Comtudo não obstante os ataques portenos e dos portuguezes, Artigas resistiu quatro annos, dando tres batalhas, e vencido retirou-se para Entre rios, isto é para o outro lado do Uruguay. Ahi, apezar de se achar fugitivo, Artigas representava ainda, se não pelas suas forças, ao menos pelo seu nome, um poder respeitavel, quando Ramiro seu tenente se revoltou, contra elle, collocando-se á frente da terça parte das suas forças, e derrotando-o de modo que lhe tirou toda a esperança de reconquistar a sua posição perdida, obrigando-o a sair d'este paiz aonde como Anteo, parecia ganhar novas forças todas as vezes que ahi tocava.

Foi então que, egual a uma d'essas trombas que se evaporam, depois de ter deixado a desolação e as ruinas na sua passagem, Artigas desappareceu retirando-se para o Paraguay, onde, como já dissemos, em 1848 na época em que Garibaldi defendia Montevideo, vivia ainda tendo noventa e tres ou noventa e quatro annos, gosando de todas as suas faculdades intellectuaes e de quasi todas as suas forças.

Artigas vencido não fez opposição ao dominio portuguez que se estabeleceu no paiz, e o barão de Laguna francez de origem foi seu representante em 1825. N'este anno Montevideo como todas as possessões portuguezas da America foram cedidas ao Brazil.

Montevideo foi então occupado por um exercito de oito mil homens e tudo parecia assegurar ao imperador a sua pacifica posse.

Foi então que um natural de Montevideo, proscripto, residente em Buenos-Ayres, reuniu trinta e dois companheiros proscriptos como elle, e decidiram que dariam a liberdade á patria ou que morreriam.

Este punhado de patriotas embarcou em duas canoas e desembarcou no Grande Areal.

O chefe chamava-se João Antonio Lavalleja.

Lavalleja havia de antecipação tido relações com um proprietario do paiz que devia no momento do seu desembarque, ter os cavallos promptos. Assim logo que desembarcou enviou-lhe um mensageiro, que lhe trouxe em resposta que tudo estava descoberto, que os cavallos haviam sido roubados e que Lavalleja e os seus companheiros não tinham outro partido a tomar senão embarcarem de novo e o mais depressa possivel, devendo dirigir-se para Buenos-Ayres.

Mas Lavalleja respondeu que não partia, pois não podia, nem queria recuar, e ordenando aos remadores de voltarem para Buenos-Ayres sem elle, tomou posse, no dia 19 de abril, de Montevideo em nome da liberdade.

No dia seguinte os trinta valentes que tinham apanhado alguns cavallos, com o consentimento de seus donos, pozeram-se em marcha para a capital, mas foram encontrados por um destacamento de cavalleiros, de que quarenta eram brazileiros e cento e sessenta orientaes.

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