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XI

Mozgliakov saíu de casa de Maria Alexandrovna, consoladissimo. Não foi a casa do Borodoniev, pois necessitava de estar sósinho. Sentia a cabeça atravancada de romanescos devaneios. Phantaziava a explicação solemne com a Zina, o generoso perdão, scena melancolica no baile, lá em Petersburgo; Hespanha, o Guadalquivir, o principe no leito da agonia a juntar nas proprias mãos as mãos dos dois amantes, e em conclusão, o amor d'uma mulher tão formosa, vencido por tanto heroismo; por aqui e por acolá, um ou outro favor de alguma baronêsa, ou condessa de alto cothurno, n'aquella sociedade onde semelhante casamento lhe daria certamente ingresso, um logar de vice-governador, dinheiro; n'uma palavra, toda a eloquente descripção de Maria Alexandrovna. Mas, emfim, como explicál-o? – Através de todos aquelles arrebatamentos eis lhe surge o seguinte pensamento, algo desagradavel, que, em todo o caso, tudo aquillo estava ainda em vêl-o-hemos, e no momento actual, elle, com o que ficara, fôra com um nariz de palmo! De subito, nota que se alargou demais pelo arrabalde menos central de Mordassov. Vem caíndo a noite. Pelas ruas, ladeadas de pardieiros, ladram, como aliás succede em toda e qualquer cidade provincial, aquelles innumeros cães que infestam de preferencia os bairros em que nada ha que guardar ou que roubar. Derrete-se a neve. De vez em quando, topa-se com algum mestchanine retardado, ou com qualquer baba14 enfunicada n'uma tulupa e a arrastar umas botifarras. Tudo aquillo principiava a irritar a Pavel Alexandrovitch: mau signal, visto como, quando uma pessoa está contente, a tudo acha risonho. Pavel Alexandrovitch lembra-se com despeito de que, até aquelle dia, era elle quem dava o tom em Mordassov. Era recebido por toda a parte como um noivo, uma situação tão interessante, e felicitavam-n'o, e elle todo desvanecido. E eis que, de subito, vinha a constar que se achava reformado; rir-se-hiam á sua custa por toda a parte. E com tudo isso não é exequivel estar a iniciar toda a gente ao segredo do tal baile de Petersburgo, da columna melancolica e do Guadalquivir!

Triste e pensativo, acaba por formular este pensamento que secretamente lhe faz sangrar o coração desde alguns instantes: "Mas tudo isto será verdade, realmente? Virá tudo a acontecer conforme m'o pintou Maria Alexandrovna?" Occorre-lhe, n'aquelle ensejo, exactamente, que Maria Alexandrovna é mulher arteira quanto possivel; que, apezar da estima geral que disfructa, é uma enredadeira de respeito, que mente com o maximo desplante, que é possivel que tivesse motivos particulares para o afastar; que, emfim, o descrever um quadro seductor não compromete a coisa nenhuma. Pensa na Zina, revóca aquelle seu olhar de despedida tão pouco compativel com um desatinado amor. Lembra-se de que uma hora antes foi tratado por ella na qualidade de asno – sem tirar nem pôr. Ante uma tal recordação, Pavel Alexandrovitch estaca de vez, como que pregado ao chão, e ruboriza-se a ponto de lhe virem as lagrimas aos olhos. E como que de proposito, d'ali a instantes, acontece um desagradavel incidente: escorrega e estatéla-se num montão de neve… Emquanto elle escabuja e patinha, um bando de canzoada, que vinham atrás d'elle a ladrar, accodem por todos os lados; um d'elles, o mais pequeno e mais atrevido, aferra-se-lhe á aba da chuba. Pavel Alexandrovitch desenvencilha-se dando ao diabo a cainçada e o destino e, com a aba do casacão esfarrapada e uma indefinivel tristeza na alma, lá se vae arrastando até á esquina da rua. Ali, percebe que vae perdido.

É sabido que um homem, quando se acha perdido em um bairro que lhe é extranho, e muito mais de noite, nunca se resolve a meter a direito por uma rua larga. Impelle-o, mau grado seu, um poder misterioso para toda a casta de betesgas que topa a geito. Em harmonia com este sistema, Pavel Alexandrovitch perde-se de todo. "Diabos levem tanta chiméra!" exclama e cospe com engulho. "Leve o diabo os sentimentos elevados e o tal Guadalquivir!"

Não me abalanço a afiançar, que Mozgliakov n'aquelle ensejo apresentasse aspecto por demais seductor. Até que emfim, extenuado, fatigado, em seguida a haver andado a êsmo para cima de duas horas, alcança a escadaria de Maria Alexandrovna. Fica espantado ao dar com os olhos em tanta carruagem: "Tem visitas? Alguma soirée? Com que intenção?"

Informado por um lacaio de que Maria Alexandrovna tinha carregado com Aphanassi Matveich do campo, de gravata branca, que o principe já está acordado, mas que ainda não desceu do quarto, Pavel Alexandrovitch, sem dizer palavra, vae lá acima ter com o tio. Acha-se n'aquella disposição de animo em que um homem de caracter fraco se decide pela ideia de maior malignidade, em favor da vingança, sem se lembrar de que virá talvez a arrepender-se, durante toda a sua vida.

Sobe. Dá com os olhos no principe, sentado n'uma poltrona em frente do seu toucador de viagem, com a caréca á vela, mas com a cara já rebocada e com as suissas e a pêra postiça já pegadas. O chinó está entre mãos do edoso criado particular, Ivan Pakhomitch. Ivan Pakhomitch está a penteál-o com modo absorto e respeitoso. O principe apresenta aspecto lamentavel. Não se acha ainda restabelecido d'aquella sua temulencia. Enterrado na poltrona, a tosquenejar as palpebras, todo elle engelhado, amarrotado, e a olhar para o Mozgliakov como se o não conhecesse.

– Como vae de saude, rico tiozinho? indaga Mozgliakov.

– Como? Ah! És tu? acaba por dizer o tio. Pois eu, manozinho, dormi a minha somnéca. Ai! meu Deus! exclama de subito, animadissimo. E eu que estou sem o chi… chi… n… nó!

– Não se assuste, tiozinho! Eu ajudo-o a pôl-o se quiser.

– Ora esta! E ahi estás tu senhor do meu segredo! Eu bem dizia que era pr… preciso fe… fe… char a po… rta! Pois então, meu amigo, vaes já, já, dar-me a tua palavra de honra que… que, não has-de abu… sar do meu segredo, e que não dizes, a nin… guem que é po… pos… tiça a minha cab… be… leira!

– Ora vamos, tiozinho, pois suppõe-me capaz de semelhante vilêza? exclama Mozgliakov que deseja agradar ao ancião.

– Está, claro… está… c… laro, e como eu sei que és cavalheiro… vá… la… vaes fi… car espantado: vou te des… vendar de todo os meus se… segredos – Que me dizes a estes bi… bigodes – m… meu caro?

– Um portento, rico tio, espantosos! Como é que os pode conservar do mesmo comprimento, por tanto tempo?

– Socéga, meu amigo… s… são postiços, diz o principe a olhar muito ufano para Pavel Alexandrovitch.

– Postiços!? – É inacreditavel! E as suissas, então? Confesse que as pinta, tiozinho!

– Não só as pin… into, como são postiças e mais que… que pos… tiças!

– Postiças! Isso agora, tenha paciencia, o tio está a caçoar commigo!

– Pa… lavra de honra, amigo! exclama o principe desvanecido. Ora põe na tua ideia, que toda a gente… sem excepção – anda ill… udida, como tu. A propria Stepanida Matveina não quer acreditar que o sejam, e olha que é ella quem m'as põe. Mas tenho a certeza, meu amigo, de que me has de guardar segredo – Dá-me a tua pa… palavra de honra…

– Conte desde já com ella, querido tio! Mas, insisto, suppõe-me então capaz de semelhante vilania?

– Ai! meu amigo! Que tombo que eu apanhei! Não fazes ideia! O Pamphili, tornou-me a virar a car… a carruagem.

– Pois elle tornou a pregar-lhe outro tombo? Mas quando?

– Iamos nós quasi a chegar ao… mo… mos… teiro…

– Já sabia, tiozinho!

– Não, não é isso… se ainda não ha duas horas. Fui ao mo… mosteiro. Foi elle que me levou… e pregou-me um tombo! Que susto que… que eu apanhei! Ainda nem tenho o co… coração no seu logar.

– Mas o tio estava a dormir?

– Está… c… laro… estava a dormir… E vae… d'ahi fui… vi… viajar… E d'ahi… d'ahi… talvez fosse… Ah! que coisa tão exquisita!..

– Afirmo-lhe que estava a dormir, tiozinho… que sonhou… Depois de jantar ferrou-se a dormir muito socegado.

– De… devéras?!

O principe pós-se a scismar.

– Sim… sim… effec… tivamente, talvez fôsse. E d'ahi, lembro-me muito bem do sonho… todo. Primeiramente, sonhei com um toiro muito bravo… com uns páus!.. Depois com um pró… ó… curador… mas tambem tinha p… páus!

– Havia de ser o Nikolai Vassiliévitch Antipov, tiozinho.

– Está… claro… era elle… era… E depois tambem sonhei com Na… napoleão… Bo… bo… naparte. Não sabes, amigo, diz toda a gente que n… nos parecêmos?.. De perfil… pelos modos… faço lembrar um papa… muito antigo: Tu, que dizes?.. Achas que te… terei ares de papa?

– Acho que se parece mais a Napoleão.

– Está… c… laro… é assim… mesmo… de… de… frente. E d'ahi, tambem d'isso estou conven… cido, meu caro. Vi-o em sonho, sentado lá na sua ilha… Não sabes? A fô… legar… muito contente… muito lam… peiro!.. Que graça que… eu lhe achei!

– Refére-se a Napoleão, tiozinho? indaga Pavel Alexandrovitch, todo elle absorto, a observál-o.

Principiava a surgir-lhe na mente um estranho pensamento, sem que elle pudesse formulál-o com clareza.

– Está claro… Na… na… po… leão. Tivémos uma pa… palestra filosó… fica… Não sabes? tenho pena de que os Inglezes lhe fizessem aquillo que… que lhe fizeram… É verdade que se elles o não tivessem en… gaiolado… atirava-se para ahi a to… toda a gente… aquelle damnado! Mas com… apezar d'isso… foi pena!.. Eu cá… por mim não era capaz de o fazer! Prega… va com elle n'uma ilha deserta…

– Deserta… então para quê? perguntou, distrahido, Mozgliakov.

– Está… claro… De… deserta, não, mas habitada por gente com juizo. E depois arranjava-lhe distracções… theatro, mu… musica… ba… bailados e tu… tudo isso por conta do Estado. Dáva-lhe licença para passear… vi… vigiado… já se vê… qu… quando não… pi… pisgava-se… Elle gostava de uns certos bôlos… Pois bem! faziam-se-lhe todos os dias… Tratava-o com pa… pater… nal carinho: Elle… commigo… arre… pen… dia-se… di… digo… t'o eu.

 

Mozgliakov escuta distrahido a garrulice do vegête, a roer as unhas, impaciente. Elle a querer desviar a conversa para o assunto do casamento, e nem sequer sabe o motivo, mas referve-lhe lá dentro uma maldade, infame. De subito, eis que exclama o tio, muito espantado:

– Ai! meu amigo! E eu que me esquecia de t'o par… parti… cipar… Saberás que fiz ho… je o meu pe… pedido!

– O seu pedido, tiozinho?.. exclama Mozgliakov animando-se acto-continuo.

– Está… c… claro… o meu pedido! Já te vaes embora, Pakhomitch? Está bem. É uma menina encanta… dora!.. Mas confesso… amigo, que andei com leviandade, estou-o per… cebendo agora… Ai! meu Deus!

– Mas, se me dá licença, querido tio, quando é que fez esse tal pedido!

– Confesso, que… não… sei ao certo, qu… ando foi, amiguinho!.. Querem ver que… seria sonho, tam… tam… bem?.. Que co… isa t… tão ex… quisita!

Mozgliakov estremece de contentamento… Accode-lhe uma ideia luminosa.

– Mas a quem, e quando é que fez o tal pedido? repete impaciente, já.

– Á… á… fi… lha da casa, meu amigo… áquella… lin… da me… nina! E d'ahi… esqué… ceu… me o nome. O peor, meu amiguinho… é que não posso casar… impos… sivel, meu amigo! Que hei de eu fazer?

– Pois decerto… semelhante casamento iria deitál-o a perder! Mas, uma pergunta: Tem a certeza de haver feito o pedido?

– Está… claro… tenho a certeza… tenho…

– E se fosse sonho, como aquella sua quéda da carruagem?

– Valha-me Deus!.. E o c… caso é que é possivel… no tal sonho… E o… peor é que e… eu já nem tenho cara para lhe apparecer… E não… achas que se poderia saber… indi… recta… mente, se eu faria ou não o tal pedido?

– Sabe o que lhe digo, querido tio? Que acho até escusado ir tirar informações.

– E… por-quê?

– Por que tenho a certeza de que tudo foi sonho, tambem.

– Tambem… me quer… parecer… m… meu ca… ro, e tanto… m… mais que eu estou sempre a ter sonhos… assim.

– Então já vê, tiozinho… Faça de conta que beberia mais um copito ao almoço… ou ao jantar… e ahi tem…

– Está… claro… amigo… foi isso foi… é o que havia de ser.

– Tanto mais, que o tio, por mais influido que estivesse, nunca se iria arriscar a fazer um pedido tão disparatado. O tiozinho, desde que o conheço, tive-o sempre na conta de um homem de muitissimo tino.

– Está… c… laro. Está… c… laro.

– Ora considére: ponha na sua ideia que os seus parentes, tão mal dispostos já, para com o tio, vinham a ter conhecimento do caso, que acontecia?

– Ai! meu Deus! exclama o assustadissimo principe… que acontecia?.. é verdade!

– Então, já vê! Punham-se a berrar todos á uma que estava doido, que era preciso nomear-lhe tutôres, que o tinham embaçado, e catrafilavam-n'o para ahi em qualquer parte, guardado á vista.

O Mozgliakov estava farto de saber que o argumento éra de molde a deixar espavorido o principe.

– Ai! meu Deus! exclamou o jarrêta, todo elle a tremer… engaiolavam-me?!

– Ora considére, tiozinho, passar-lhe-ia nunca pela cabeça o ir fazer um pedido tão disparatado? O tio avalia muito bem os seus interesses! Affirmo-lhe que foi sonho.

– So… nho, sim, é o que foi! So… nho… e mais nada! Ah! tu… é que… que acertaste… com a coisa! E fico… te grato, muito grato… por me teres con… vencido.

– E eu, contentissimo, tiozinho, por termos vindo á fala. Se não fosse eu, o tio ficava acreditando que estava noivo, e procederia n'esse sentido. Veja lá do que se livrou!

– Está c… laro… me… livrei… dizes bem!

– Lembre-se de que está com vinte três annos essa menina! Não ha quem a queira, e eis se não quando, apparece o tio, rico, nobre e vae pedil-a em casamento! E ellas, já se vê, apanham a pélla no ar: affirmam a toda a gente que o tio está noivo e impingem-lh'a em casamento. E em seguida, põem-se á espera de que o tio se vá indo desta para melhor.

– Que… me dizes!

– E depois, tiozinho… é lá coisa que convenha a um homem da sua jerarchia…

– Está c… claro! Jerarchia…

– Tão intelligente… tão amável…

– Está… c… claro… intelligente… é is… so… é!

– E em conclusão, é principe… Será partido que lhe convenha, porventura? Se é que, por qualquer motivo insiste em querer casar. Lembre-se do que diriam os seus parentes.

– Ai, meu amigo, comiam-me em vida! Elles que já me não têm feito poucas terrafi… as… aquelles des… almados! Ora imagina! Desconfio até que… qué-rem pregar commigo n'uma casa… de… sa… saúde! Ora, dize-me, achas que se… ja razoavel? Que é que eu havia de fa… zer numa casa de saúde?

– Pois certamente, rico tio, e ahi está o motivo porque eu já o não largo quando o tio fôr lá para baixo. Estão lá visitas.

– Vi… sitas! Ai! valha-me Deus!

– Não se assuste, tiozinho, eu vou com o tio.

– Sou-te m… muito obrigado… muito! Fô… ste a minha redempção! Mas, qu… éres que te diga, eu antes queria ir-me embora!

– Amanhã, tiozinho, amanhã, ás sete horas da manhã! Hoje, despede-se de todos e declara que se vae embora.

– Ab… so… lu… tamente!.. safo… me… ab… solu… tamente!.. vou para casa do padre Missail… Mas… meu amiguinho, e se ella casar commigo contra minha vontade?..

– Não lhe dê cuidado, tiozinho, cá estou eu. E demais, digam o que disserem, responda sempre que foi sonho… o que é verdade, aliás.

– Es… tá… c… claro, sonhei!.. Mas sempre te direi… meu a… mi… miguinho, que foi um sonho delicioso!.. Que for… mosura! É um por… tento! E se… soubesses!.. Com umas… fórmas!

– Pois então, até logo, tiozinho, vou indo lá para baixo… E o tio…

– Ora… essa!.. Então para aqui me deixas?.. exclama o principe, assustado.

– Não é isso, tiozinho, eu o que vou é indo adiante… não vamos juntos. Primeiro eu, depois, o tio. É melhor assim.

– Está-c… laro… melhor. E eu, demais a mais, tenho que tomar nota d'um pensamento… capital.

– Pois é o que deve fazer, tio, vá assentando o seu pensamento, e depois, não se demore, appareça, e conte que, amanhã…

– Amanhã, de manhã, para casa do-arci-préste… sem fa-lta… casa… do ar… ci… ci… Magnifico! Mas olha que… ella é um por… tento de formosura! Que… fórmas! Se não houvesse outro remedio senão casar com ella… eu… então…

– Deus o livre de tal, querido tio!

– Está claro!.. livre… Está dito! até já, meu amigo! Eu não tardo lá. É só tomar no… ta… A proposito… e… ago… ra me lembra que te queria perguntar… se… j… já tinhas lido as memorias de Cásanova?

– Já, tiozinho… Mas por quê?

– Está… c… claro – Por quê? – Mas… deixa lá… já me não lembro do que é que te queria dizer.

– Depois se lembrará, tiozinho, até logo.

– Até logo, amiguinho, até logo… – Mas que foi uma… delicia… o tal sonho… lá isso foi!

XII

– Viémos vêl-a todas, todas! A Prakovia Ilinicha não tarda por ahi! A Luisa Karbovna tambem queria vir, pipila a Anna Nikolaievna dando entrada na sala e a inspeccionar tudo em redor com uns olhos de bisbilhoteira.

É uma mulherzinha, bonitinha, veste com riqueza, mas com umas côres espalhafatosas, e com presunção na sua boniteza. Fareja-lhe que o principe deve de estar alapardado n'um cantinho qualquer e mais a Zina.

– E a Katerina Petrovna tambem não deixa de apparecer, accrescenta Natalia Omstrievna, mulherão com proporções de colosso á qual tem reduzido o pêso os jejuns e dando ares de um granadeiro.

Traz um chapelinho, minusculo, côr de rosa, pespegado na nuca. Ella, vae em três semanas, é a mais intima amiga da Anna Nikolaievna, de quem ella anda atrás, ha muito tempo, e a quem se pudesse nem a pelle lhe deixava.

– O alegrão que ambas me deram em vir passar a noite commigo, nem ha palavras que o possam exprimir, cantaróla Maria Alexandrovna, um tanto refeita já da instantanea surpreza. Mas não me dirão a que feliz acaso devo o prazer?.. Nem contava, já, com semelhante honra!

– Valha-me Deus! Maria Alexandrovna, não seja má! diz muito açucarada a Natalia Dmitrievna, com voz de pipía, e tregeitos, toda ella – o que estabelecia curiosissimo contraste com o seu exterior.

– Mas minha querida, pipila Anna Nikolaievna, precisamos concluir os arranjos do tal theatro. Ainda hoje o Petre Mikailovitch disse ao Kalist Stanislavitch que está contrariadissimo por não terem corrido bem as coisas, e porque andassemos a jogar as cristas. E como succedesse ajuntarmo-nos todas quatro, dissémos comnosco: "E se nós fossemos ter com a Maria Alexandrovna a ver se levamos a cabo este negocio?" A Natalia Dmitrievna passa palavra ás outras, e cáem aqui todas. D'este modo poderiamos chegar a um accordo e as coisas entravam no seu curso regular. É para que não digam que apenas sabemos andar á unhada, pois não é assim, meu anjo? accrescentou dando um beijo a Maria Alexandrovna.

Valha-me Deus! Zinaida Aphanassievna, está cada dia mais linda!

Anna Nikolaievna atira-se á Zina e prega-lhe um beijo.

– Mas se a menina não tem outra coisa que fazer a não ser o ir embellezando dia a dia, affirma com affectada amabilidade Natalia Dmitrievna a esfregar as mãos.

– Demonios as levem! E eu que nem sequer já me lembrava do tal theatro! Sim, senhor, estas pêgas tem apurado a malicia! murmura Maria Alexandrovna fula de raiva.

– E tanto mais, meu anjinho, accrescenta Maria Nikolaievna, que o nosso querido principe se acha hospedado em sua casa. Bem sabe que não ha pomietok de Dukhanova, de paes a filhos, que não tenha tido um theatro. Tomámos informações e viémos a apurar que existe algures um armazem atulhado de scenario velho, e um panno, e fatos, até. O principe esteve hoje em minha casa, mas se quer que lhe diga, fiquei tão assarapantada com a visita, que de todo me esqueceu tocar-lhe em semelhante coisa. Agora, comtudo, tencionamos conversar com elle a esse respeito; ha de ajudar-nos, e o principe não deixará de dar as suas ordens para que nos remetam toda essa cangalhada. Pois a quem haviamos de encommendar por aqui coisa que se pareça com uma vista de theatro? E d'ahi, queremos que o principe em pessoa participe da nossa empresa. É necessario levál-o a subscrever: é para os pobres. Quem sabe se elle se não encarregará, até, de qualquer papel; é tão condescendente, tão dado! Correria tudo ás mil maravilhas.

– Pois já se vê, que acceita um papel! Tanto mais que nada ha mais facil do que induzil-o a desempenhar seja que papel fôr, accrescenta significativamente Natalia Dmitrievna.

Anna Nikolaievna não tinha enganado Maria Alexandrovna. Vão chegando de instante para instante senhoras. Maria Alexandrovna quasi que nem tem tempo de se levantar para recebêl-as e de proferir as exclamações da praxe em semelhantes casos, exigidas pelas conveniencias.

Não me afoitarei a descrever uma por uma as visitantes. Direi apenas que cada uma d'ellas desfecha insidiosa olhadella para a dona da casa. Todas ellas denunciando na fisionomia ávida impaciencia. Entre as nobres damas, mais de uma, até, concorria ali na espectativa de presencear a qualquer escandalozinho extraordinario: ficariam desconsoladissimas se se não désse o dito escandalo. Exteriormente, desfaziam-se em amabilidades, Maria Alexandrovna porém estava armada para a lucta. Choviam perguntas a respeito do principe, naturalissimas todas ellas, na apparencia, mas por detrás de todas lá estava uma allusão.

Serve-se o chá. Sentam-se todas á mêsa. Apodera-se do piano um grupo, Zina, ao convite de tocar ou de cantar, responde, muito sêca, que se acha incommodada. A pallidez do rosto abona-lhe aliás a veracidade. Segue-se um tiroteio de perguntas simpáticas, e isso mesmo dá motivo para uma allusão.

Indagam noticias á cêrca de Mozgliakov, é á Zina que são dirigidas. Maria Alexandrovna não tem mãos de medir: acha-se presente a um tempo em cada canto da sala, ouve tudo que dizem as visitantes, supposto sejam mais de dez. Responde a quanta pergunta lhe dirigem sem ter necessidade de remexer as algibeiras á procura de palavras. Está toda ella a tremer com o sentido na Zina, e muito admirada por esta não sair da sala, conforme é seu costume em taes occasiões. Notam tambem a presença de Aphanassi Matveich. Por via de regra fazem escarneo d'elle para melindrarem Maria Alexandrovna na pessoa do marido. Hoje, porém, tudo é quererem sacar as palavras do bucho ao tão singelo e franco Aphanassi Matveich. Maria Alexandrovna, inquieta, não tira os olhos do marido, collocado em estado de sitio.

Elle, responde a todas as perguntas: Hum! com uns modos tão entalados e pouco naturaes que é de uma pessoa se derramar.

 

– Maria Alexandrovna, não ha quem saque uma palavra a Aphanassi Matveich! exclama uma caçapa de uma dama com uns olhos vivos e uns ares de intrepidez, como quem não tem medo seja de quem fôr, e se não atrapalha com coisa nenhuma. Veja se lhe diz que seja mais delicado com as senhoras.

– Ainda estou para saber o que é que elle terá hoje, responde Maria Alexandrovna, toda ella sorrisos e interrompendo a sua palestra com a Anna Nikolaievna e com a Natalia Dmitrievna. Não está nada expansivo; aqui estou eu que ainda não fui capaz de lhe ouvir uma palavra. Por que é que não respondes á Felissata Mikhailovna, Athanasio? – Que foi que lhe perguntou, Felissata Mikhailovna?

– Mas… mas… minha mãezinha… tu não me recommend… encéta Aphanassi Matveich assarapantado, desnorteado.

N'este ensejo, está espécado ao pé do fogão acêso, com o dedo pollegar enfiado no bolso do collete, em atitude pinturesca e a chuchurrebiar o seu cházinho.

Atrapalham-n'o as perguntas das senhoras, põe-se córado qual candida donzella. Porém, ainda bem não encetara a propria justificação, eis que topa com uns olhos tão irritados da consorte furibunda que fica petreficado de terror. Sem saber o que ha-de fazer e desejoso de remediar a asneira, e reconquistar a estima de Maria Alexandrovna, engole um golo de chá, mas o chá está a ferver, Aphanassi Matveich escalda-se, engasga-se, toma-se de um froixo de tosse, e pisga-se da sala para o quarto, deixando banzada toda a assembleia. Perceberam tudo, e Maria Alexandrovna nem põe em duvida o estarem cabalmente informadas as suas visitas, e o haverem-se congregado em sua casa com intuito malevolo.

É perigosa a situação. Podem muito bem obrigál-o a descoser-se, enredál-o na propria presença da mulher. São capazes, até, de carregar com o principe e de o malquistar com Maria Alexandrovna… Em summa, cumpre contar com o peor.

A sorte reserva á nossa heroina ainda outra prova. Abre-se a porta, e dá entrada o Mozgliakov, a quem ella suppunha em casa de Borodoniev. A previdente senhora estremece como se o que quer que fosse lhe houvera trespassado o coração. Mozgliakov pára nos umbraes da porta, um tanto intimidado, e põe-se a examinar a assembleia. Não consegue dominar o sobresalto a ler-se-lhe no semblante.

– Ai, meu Deus! Pavel Alexandrovitch! exclamam diversas vozes.

– Ai, meu Deus! Mas é o Pavel Alexandrovitch!

– E a senhora a dizer-nos, Maria Alexandrovna, que elle a estas horas devia estar em casa do Borodoniev?

E a dizerem que estava escondido, Pavel Alexandrovitch, lá em casa do Borodoniev, ladra Natalia Dmitrievna.

– Escondido? repete Mozgliakov com sorriso contrafeito. É um tanto exquisita a expressão! Queira perdoar, Natalia Dmitrievna, eu não me escondo nem tenho motivos para me esconder seja de quem fôr, accrescenta vibrando significativo olhar a Maria Alexandrovna.

Estremece Maria Alexandrovna.

– "Ora esta! querem ver que se insurge tambem este bonifrate? diz comsigo, a examinar Mozgliakov. Não faltava mais nada!"

– Será verdade. Pavel Alexandrovitch, que está reformado… das suas funcções? – arrisca a atrevida da Felissata Mikhailovna, a olhar para elle, ironica.

– Reformado? Reformado de quê?

Fui apenas transferido; tenho o meu logar lá em Petersburgo, responde com secura Mozgliakov.

– Ainda bem! E desde já o felicito; continua a Felissata Mikhailovna. Tivemos um susto por sua causa, quando nos disseram que andava a ver se arranjava um logar em Mordassov. Que, logares, por aqui, são pouco estaveis. Pavel Alexandrovitch, de um dia para o outro apanha-se uma demissão.

– A não ser que se trate de um logar de utchitel, para ahi em qualquer escola communal… Esses têm ferias… observa a Natalia Dmitrievna.

É tão transparente a allusão, tão grosseira, que á propria Anna Nikolaievna assoma-lhe o rubor ás faces e pega ás cotoveladas á peste da amiga.

– Persuadem-se então que Pavel Alexandrovitch seria homem para marchar nas piugadas de um reles utchitel? insiste a Felissata Mikhailovna.

Pavel Alexandrovitch, sem saber o que ha de dizer, volta costas e dá de rosto com Aphanassi Matveich de mão estendida para elle. Mozgliakov, alvar, não acceita a mão do conselheiro e faz-lhe rasgada contumélia, com pretenções a ironica. Acerca-se da Zina e, mirando-a a fito, socina-lhe:

– É a culpada de tudo isto… mas espere, e ainda esta noite, verá se eu sou, ou não sou um asno!

– Esperar, eu? – Como se já se não estivesse vendo o sufficiente! retruca a Zina muito de rijo, a medir com uns olhos desdenhosos o recem-rejeitado.

Mozgliakov precipita a retirada, espavorido pela expansão vocal da donzella.

– Vem de casa do Borodoniev? resolve-se por fim a perguntar Maria Alexandrovna.

– Não; venho de estar com meu tio.

– Com seu tio? – Esteve com o principe?

– Ai meu Deus! Com que então o principe já está acordado? E a dizer-nos que estava ainda recolhido, acode Natalia Dmitrievna a enterrar pelo chão abaixo Maria Alexandrovna com uns olhos em que transluz odio e triunfo.

– Não lhe dê cuidado o principe, Natalia Dmitrievna, replica o Mozgliakov; está acordado, e, graças a Deus, recuperou as suas faculdades. Tinha bebido uns copitos a mais, hontem, em sua casa, e acabaram aqui de o toldar de todo; de modo que se lhe tinha varrido completamente o tino. Bem sabe, que está um tanto fraco de cabeça. Agora, comtudo, eu e elle tivemos uma conversa, e está com o juizo no seu logar. Não tarda por ahi, meia hora, Maria Alexandrovna, para lhe dizer adeus, e lhe dar os agradecimentos pela sua franca hospitalidade. Logo de madrugada vamos até á Charneca, tenciono acompanhál-o até Dukhanovo, a vêr se lhe evito para ahi algum tombo, como aquelle que hoje apanhou. Voltará a collocar-se ao abrigo do broquel da Stepanida Matveiévna, que a estas horas já deve ter regressado de Moscou, e lhe não tornará a consentir o expôr-se outra vez aos riscos de uma jornada, isso lhe asseguro eu!

E o Mozgliakov, maligno, a examinar Maria Alexandrovna, embatucada e estupefacta.

(Pêsa-me o ter de confessar que, pela primeira vez na sua vida, sente medo a nossa heroina).

– Retira-se ámanhã! Mas então… como assim? indaga de Maria Alexandrovna a Natalia Dmitrievna.

– Como assim? repete Anna Alexandrovna, pasmada.

– Como assim? effectivamente, écoam outras vozes. E nós a julgarmos que… É extraordinario, na verdade.

A dona da casa nem atina sequer com o que ha de dizer. Eis que, de subito, é attrahida a geral attenção por um episodio da mais extraordinaria excentricidade. Ouve-se, na saleta contigua, um alarido de vozes, de exclamações, e rompe por ali dentro a Sofia Petrovna Karpukhina.

A Sofia Petrovna é sem discussão possivel a mulher mais original em toda Mordassov; é original a ponto que tiveram que a excluir da sociedade. E cumpre advertir que ella, regularmente, ás sete horas, despacha a sua merenda, e que depois de a despachar fica sempre n'uma disposição de espirito… mais que muito emancipada… para não irmos mais longe. E é n'esse estado, exactamente, que ella effectua em casa de Maria Alexandrovna tão inesperada apparição.

– E esta! Com a senhora é sempre assim, Maria Alexandrovna! berra ella estrugindo a tudo: isto será modo de proceder para commigo?!.. Não se assuste, vim aqui de corrida, nem me sento, sequer. Vim de proposito para saber se é verdade aquillo que me disseram. A senhora a dar bailes, banquetes e n'este meio tempo, a Sofia Petrovna para ali a um canto, em casa, a concertar as meias! A senhora a ajuntar em sua casa a cidade em peso, menos a mim! Commigo, d'antes, tudo era: minha amiguinha, meu anjo, – quando lhe conveio saber o enredo que a Natalia Dmitrievna a seu respeito e do principe andava a tecer, e vae senão quando, a Natalia Dmitrievna, de quem a senhora – hoje mesmo – como ella aliás diz da senhora – disse cobras e lagartos – está para ahi amesendada na sua soirée! Não se assuste, Natalia Dmitrievna, passo muito bem sem o tal seu chocolate de dois kopeks cada pau. Eu, quando me appetece beber seja o que fôr, lá em minha casa não falta, graças a Deus; tomára a senhora!

– Bem se vê! observa a Natalia Dmitrievna.

– Ora vamos, Sofia Petrovna, exclama Maria Alexandrovna, afogueada de despeito, que é que tem? Socegue!

– Não lhe dê cuidado a minha pessoa, Maria Alexandrovna, estou sciente de tudo, de tudo! guincha com a voz de pipia a Sofia Petrovna, á qual fazem cêrco as visitantes, que não cabem em si de contentes com o escandolozinho. Estou informada de tudo e foi lá a sua Nastassia quem m'o pespegou, tim-tim por tim-tim! A senhora pregou uma camoéca ao tal principe e tanto apertou com elle, até que lhe pediu em casamento a sua filha – que já nem tem quem a queira! E a senhora a ver-se já toda emproada, a julgar-se uma duquêsa, com manto e tudo. – Pfu-u! Não cuide que me mete mêdo! Tenho visto muitas duquêsas e aqui onde me vê sou coronela! Ah! A senhora então nem sequer me convidou para a bôda! – Cá por mim, escarro-lhe em cima! – Tenho muito com quem me dar, tomára a senhora. O ponto está que eu queira! Vá ouvindo: Hontem jantei eu com a princesa Zalikhvatskaia, e por signal que até o commissario principal, o Kuropchkine, me pediu em casamento. Estou-me ninando para o tal seu salsifrê.

14(Camponêsa.)
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